(Trechos da minha monografia de pós-graduação em Política e Gestão em Segurança Pública pela ESTÁCIO)
O
presente artigo propõe uma reflexão sobre as prováveis causas do esvaziamento
dos Conselhos Comunitários de Segurança - CCS e consequentemente a dificuldade
dos mesmos em alcançar seus objetivos primordiais no processo de
democratização, universalização e descentralização das políticas públicas,
especificamente nesse caso, das políticas de Segurança Pública no Rio de
Janeiro, com base essencialmente na experiência do CCS de Bonsucesso.
A
partir do momento que se consegue visualizar e entender os entraves que impedem
o pleno desenvolvimento destes
conselhos, é possível pensar criticamente sobre a realidade e uma forma de
modificá-la afim de alcançar o tão sonhado e necessário processo de
participação democrática, onde nossa carta magna é a base legal e legítima.
Para
tanto, é preciso entender primeiro do que se trata os CCS, o que são, como é
composto e qual objetivo de sua existência. A partir daí iremos pautar alguns
pontos que atravancam, embarreiram o processo acima descrito.
Os CCS são canais de comunicação
entre a sociedade civil e as Polícias Civil e Militar, numa ação colaborativa
voluntária e sem remuneração onde o compromisso está em refletir e sugerir
ações e até políticas para a redução da violência, da criminalidade para a implementação da qualidade de vida e da paz social descrita em diversas
resoluções de segurança Pública.
A legislação propõe um projeto de
integração entre a sociedade e as polícias e seus órgãos gestores. Tal projeto,
como já posto, tem como premissa a Constituição de 1988 que vislumbra uma
sociedade democrática, porém, as ações, os objetivos, a funcionalidade, a
estrutura, etc do projeto é definido de forma vertical e sem consulta, sendo
esse o primeiro ponto de entrave que se vislumbra.
Como
pensar em processo democrático, em participação popular nas discussões das
prioridades para as comunidades se o líder do fórum, por exemplo, não pode ser escolhido, se não pode se
discutir nomes possíveis para coordenar os trabalhos dos mesmos e se o que é
proposto não é dado a devida importância? A credibilidade pode ser questionada,
as intenções e objetivos dos fóruns acabam sendo colocados em xeque, como
acontece no CCS de Bonsucesso da AISP 22, uma área conflagrada, o que torna a situação
mais difícil. Dialogando com um participante ativo da sociedade civil, ele
disse a seguinte frase: “tudo parece uma mera formalidade, os debates não levam
às soluções efetivas, há dissimulada desconfiança entre as lideranças
comunitárias e os outros participantes”. Então, as resoluções e outros
instrumentos legais colocam em contradição e em desconforto a idéia de
democracia do processo.
Um outro
ponto, quando se fala em credibilidade de fóruns, é a forma de participação, de
interação dos integrantes da mesa com a assembléia, com a comunidade que
participa destes e que é muito importante. Esse ambiente, quando positivo, nos
CCS define o grau de confiança e dá força para os projetos que serão definidos
e executados, as discussões tomam corpo e força para melhoria e mudanças que se
façam necessárias na Segurança Pública voltada para cada região. Sendo assim, a
efetividade na participação dos fóruns dos membros natos é de suma importância,
porém, não é uma realidade efetiva nos CCS.
Em
conversa com vários participantes do CCS
de Bonsucesso, a insatisfação com relação ao posicionamento dos membros
integrantes das polícias e de alguns gestores públicos é constante. Os líderes
comunitários reclamam da ausência e da rotatividade desses membros e que como
conseqüência desse “ciclo vicioso” vários assuntos que já deviam ter sido
resolvidos ou devidamente encaminhados, voltam sempre à pauta dos fóruns,
tornando as reuniões repetitivas e espaço apenas de reclamações. A comunidade
acaba não encontrando eco nas suas reivindicações, reflexões e sugestões.
Como
propor ou discutir prioridades na segurança pública na área dos Conselhos se há
essa rotatividade, essa ausência das entidades policiais, governamentais nas
reuniões? Além de se tornarem repetitivas, programas e projetos perdem sua
força de propósito e no bojo, com essa sequência a comunidade local desacredita
da importância, da necessidade dos fóruns esvaziando-os. Então, além da
contradição na legislação, a falta de credibilidade também encontra eco na
falta de compromisso dos membros natos, sendo esse um segundo ponto de
obstáculo, um outro entrave nos CCS.
Um
terceiro obstáculo encontra-se na Resolução SESEG nº 78 e vai de encontro a
sociedade democrática, e que dificulta e de certa forma impede a participação
da sociedade civil, grande interessada, nos Conselhos. Segundo tal resolução,
no seu artigo 18, cabe ao presidente e aos membros natos identificar e convidar
líderes e representantes comunitários para participarem dos CCS, ou seja, não
há ampla divulgação para que seja sabido por todos da sociedade que existe o
Conselho e para quê ele serve, sendo assim, acaba sendo uma “reunião privada”,
seleta, um clube onde as pessoas precisam ser convidadas para ser “sócias”.
As
reuniões no discurso são abertas, ninguém é impedido a participar, mas, como
participar de algo que não se tem conhecimento? Vários atores envolvidos
ativamente nas reuniões do fórum de Bonsucesso deixaram de participar porque
não foram informados, em caso de mudança por algum motivo, das datas. O canal
de comunicação é entravada e a divulgação não é ampliada, corre à “boca miúda”,
dificultando assim a participação plena das comunidades locais e
consequentemente, diminuindo o “poder de fogo” e a aceitação dos Conselhos
junto ao Poder Público e sociedade.
Se
voltarmos ao pensamento de Democratização das Políticas Públicas, a questão de
minimização da participação popular acaba por ser um ponto extremamente
negativo no processo democrático. O processo democrático passa pela
participação de todos, não apenas de segmentos.
Para que
haja verdadeira democracia os CCS deveriam estar abertos e incidir suas ações
não somente com base na fala e considerações dos membros natos e das
organizações da sociedade civil que se fazem presentes, mas, nas demandas de
toda uma comunidade independente de estar organizada e de interesses políticos
e setoriais. Se não for assim a democracia não é alcançada plenamente, se torna
um projeto de democracia que está comprometido, que não se caracteriza pela
vontade popular necessariamente dentro de uma participação democrática.
Essa
dificuldade de entendimento e de efetivação do que seja democracia encontra
explicação na nossa história que não foi uma história marcada por revoluções
populares, por participação popular. Essa questão faz parte de nossa história
recente e ainda está em construção em
busca de identidade, por isso podemos avaliar que seja tão difícil essa
mobilização nos fóruns. É o quarto entrave!
A falta
de experimentação e de consecução nos movimentos populares ou simplesmente no
envolvimento da sociedade no que é público reflete hoje no desenvolvimento dos
CCS e dos fóruns de participação popular de uma forma geral. Porém, essa falta
de “experiência” de participações populares não me parece ser ao acaso, uma “fatalidade”
ou algo assim, me parece proposital de certa forma, pois a participação popular
quando efetiva pressiona o poder vigente e os tira da “zona de conforto”.
Miranda,
em seu artigo onde faz uma avaliação sobre os Conselhos Comunitários de
Segurança registra sobre a função questionadora de tais movimentos:
“[...] a participação popular no desenho de políticas públicas tem
servido para questionar o padrão centralizador, autoritário e excludente que
historicamente, tem marcado as relações entre as agências estatais e seus
beneficiários, buscando articular a democratização do processo com a eficácia
dos resultados.” ( 2002, apud Dagnino, 2008, pg.60)
Talvez,
podemos pensar, mesmo sendo uma política proposta de forma vertical, até para
dar resposta à demanda pública de diálogo e transparência, as dificuldades
encontradas para a implantação efetiva dos CCS não seja somente por conta de
contradições legais ( que poderíamos avaliar como lacunas tão comuns nas nossa
legislação, na melhor das hipóteses ) ou pela falta de “experiência histórica”
em participação populares, mas uma ação proposital evitando que na prática os
movimentos populares aconteçam e se desenvolvam, sendo assim, a rotatividade
das agências policiais e de gestão, bem como a ineficiência na divulgação dos
fóruns encontram aqui sua explicação de ser, os CCS seriam, então, uma
“formalidade burocrática”, ou seja, por força de instrumentos legais
relacionados à distribuição de recursos públicos, e não por uma demanda de
movimentos sociais (MIRANDA, 2008).
Mas ainda
há um último e 5o entrave, além das contradições legais, da falta de
experiência histórica em participação popular e da “formalidade burocrática”,
voltando à questão da credibilidade, o fato das agências policiais estarem
desacreditadas causam um certo desinteresse e por isso esvaziamento por parte
da sociedade nos fóruns, já que essas agências fazem parte composicional importante nos
fóruns.
Soares,
autor de vários livros e especialista em Segurança Pública coloca que pesquisas
dão conta de que a população não procura a polícia quando é vítima de um crime
por três razões: “ medo de ser maltratado pela própria polícia [...] e
descrença na capacidade da polícia, o que torna inútil seu esforço de ir à
delegacia” (SOARES, 2007, pg. 5).
O mesmo
motivo que a pesquisa mostra para a não procura da população pela polícia para
uma denúncia ou registro de ocorrência, é também um dos motivos para a falta de
participação da sociedade nos fóruns que são os CCS – descrença na instituição policial. Além da descrença, há um certo
receio de represálias, em alguns casos, como o de vários líderes comunitários
que participam do CCS de Bonsucesso colocaram em conversas informais. A idéia
da truculência associada à poliícia ainda é muito forte e real nas comunidades.
Um
exemplo claro, nítido em tempo real desta questão aconteceu há 1 ano e toda a
sociedade presenciou nos principais jornais e telejornais do país, que foi a
notícia da prisão temporária do Tenente Coronel Claudio Luiz Silva de Oliveira,
à frente do 22º BPM lotado num dos
maiores complexos de favelas do Rio de Janeiro, por ser suspeito de ser o
mandante da morte da juíza Patrícia Acioli que chocou o Brasil.
Este
Tenente Coronel, que era responsável e respondia pelas ações do 22º BPM, estava
na última reunião do CCS de Bonsucesso falando sobre as ações do Batalhão para
a redução dos crimes e ouvindo as demandas dos líderes comunitários que ainda
se fazem presentes, diga-se de passagem, uma minoria, uns 5 representantes que
perto das mais de 15 comunidades pertencentes ao complexo da Maré não é nada em
termos de representação de uma comunidade como essa.
Depois de
uma notícia assim, como fica a credibilidade da corporação e das pretensões do
CCS de Bonsucesso? Como acreditar que o fórum pode promover mudanças positivas
quando um membro nato da mesa é acusado de assassinato de uma juíza? Como
sentir segurança em colocar reivindicações da população local se um membro do
alto escalão pode ser o mandante de um crime contra uma magistrada?
Essa
triste e negativa realidade das nossas instituições policiais não só faz com
que a sociedade desacredite da mesma, da sua função protetiva, como também
promove um posicionamento reativo negativo na população que acaba se afastando
da instituição, o que vem de encontro à proposta dos CCS que é exatamente a
aproximação das corporações com a sociedade. Acaba sendo um paradoxo, as
organizações, seja na gestão ou na execução de políticas de segurança pública,
que desejam e “promovem” a integração e a aproximação com a sociedade, é a
mesma que afasta e não deixa que a população acredite na veracidade das
intenções contidas com a criação dos CCS.
Sem
mudanças internas profundas nas organizações policiais e que se traduzam em
ações e reações positivas “na rua”, ou seja, de fato e não de discurso ou de
pesquisas manipuladas, a população continuará desacreditando e não há lei,
projetos e “fóruns” que dê conta disso!
Uma
solução que alcançaria a barreira das deficiências legais, é a revisão da nossa
legislação, seja através dos regimentos internos, como nas resoluções, etc, na
área de Segurança Pública. Entendemos que as mesmas são incondicionalmente um
avanço e vêm ao encontro do processo de democratização na área de Segurança
Pública, mas, exatamente por ser uma legislação nova, apesar dos avanços,
precisa ser revisada e principalmente discutida com a sociedade.
Outra
solução, e de suma importância, é com relação à credibilidade das propostas dos
CCS diante de um quadro tão grave como esse que estamos vivenciando atualmente
na Polícia Militar causando uma enorme perplexidade na sociedade civil, que
acaba desembocando numa ladeira de desconfiança e descrédito não só na Polícia
Militar, mas nas suas instituições policiais de uma forma geral, de segurança
pública, trazendo inúmeras dúvidas sobre a forma da gestão pública. A solução
só pode vir da força da participação e mobilização popular, o que constitui,
nesse caso um paradoxo.
Um
paradoxo na medida que, como visto anteriormente, além da falta de
credibilidade policial e da “formalidade burocrática” a “carência” histórica em
participações populares é um entrave mas também solução, senão, a única solução
capaz de “fazer tremer” esse solo extremamente corrupto e comprometido com
interesses duvidosos e de uma minoria
que detém o poder do capital.
Em
falando de corrupção, lembro-me de uma colocação muito propícia que ouvi de uma
pessoa ligada a área de Segurança Pública, que estava numa palestra com os
autores do livro “A Elite da Tropa 2”, logo após o lançamento e o grande
sucesso do filme “Tropa de Elite 2” na Universidade Estácio de Sá. Ao findar da
palestra e em conversa informal, sobre essa temática ele foi veemente: “ Dizem
que uma maçã podre apodrece todas as outras, mas na polícia a questão é que o
cesto é que está podre!”. É bastante forte essa frase, mas a dura realidade e
para enfrentar tal realidade, para enfrentar interesses dos poderosos, só com
uma mobilização popular muito forte!
. É
preciso mudar “pra valer”. Não podemos mais ficar esperando respostas
verticais, esperar que uma mesa diretora faça o seu papel, por exemplo, de
disseminar a existência e a importância dos CCS, precisamos, a sociedade que
faz parte dos fóruns, que se faz presente, tomar as rédeas da situação, se
sentir agente de mudança, de transformação e partir dela a multiplicação do que
acontece nos fóruns e o convite para que todos, a sociedade local como um todo
participe das discussões sobre as questões de segurança da comunidade.
É
só através da forte mobilização popular e a reflexão sobre seu papel na busca
por soluções que mudanças no quadro de corrupção, de apodrecimento da política,
da insegurança pública, etc, vão acontecer. Como compôs sabiamente Geraldo
Vandré, num momento tão importante de decisão, “ [...]esperar não é saber, quem
sabe faz a hora, não espera acontecer.” A hora chegou e a hora é agora.
Autora: Alessandra Celita Couto - Assistente Social